Antes de tudo é importante deixar claro que nossa intenção com este artigo não é explicar o pensamento de Spinoza, queremos apenas discutir a ideia apresentada por um filósofo que via na liberdade do questionamento a maneira mais saudável de praticar a fé.
Baruch Spinoza foi um filósofo racionalista holandes do século XVII. E você pode encontrar outras formas de escrever seu nome: Espinosa, Espinoza, Spinosa ou Baruch (de) Spinoza.
Sua família é de origem portuguesa, mas obrigados a sair de Portugal, que na época estava unida a Espanha pela Aliança Ibérica, sofreram perseguições pela inquisição espanhola por serem judeus.
Nessa fuga, Baruch nasceu na Holanda, e cresceu com educação diferenciada onde teve contato com ensinamentos de pensadores diversos que o levaram a ter um apreço por questionar as coisas. E desde o início ele questionava a religião.
Tais questionamentos vinham porque por tradição Baruch deveria tornar-se um líder da sinagoga em que congregava, e essas inclinações sociais o levaram a ter a educação que teve.
Porém, na vida adulta seus questionamentos e pensamentos criaram, aos poucos, certa incompatibilidade com a filosofia da comunidade judaica, isso culminou em sua excomunhão do judaísmo. E então Baruch Spinoza mudou seu próprio nome para Benedict Spinoza.
#O Pensamento Polêmico
E quais seriam estes pensamentos tão sinistros que levaram a ser acusado de auto ateísmo pelos líderes de sua religião? Pensamentos estes que muitos chamam de “ O Deus de Spinoza“, um termo usado por muitos pensadores e cientistas que mesmo que não possuindo uma fé se mantém abertos para aceitar na possibilidade da existência de Deus. O próprio Albert Einstein ao ser questionado se acreditava em Deus disse que acreditava no Deus de Spinoza.
O livro Ética, que foi publicado após sua morte pela própria vontade de Spinoza, é um escrito que contém sua visão de Deus. Nele o filósofo fala que: Deus é aquilo que existe por si só, e por mais nada é determinado a existir, e todo o mundo, ou tudo aquilo que existe, existe em Deus e é parte essencial de Deus, ou seja, Deus é tudo e tudo é Deus ao mesmo tempo.
É importante ressaltar que nesta época (e para muitos ainda hoje) Deus era visto como algo separado da natureza. Considerando uma relação isolada de Criatura e Criador. Mas para Spinoza isso não era plausível, Deus não era uma entidade transcendental alheio a natureza, mas sim a natureza sendo uma pequena parte da manifestação de Deus, e seu apoio estava no seguintes versículos bíblicos:
“porquanto nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou dominações, sejam governos ou poderes, tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele existe antes de tudo o que há, e nele todas as coisas subsistem.”
Vale lembrar que quando se trata de Natureza na filosofia, não é apenas a ideia de Fauna e Flora, mas a natureza das coisas, das pessoas, de tudo que existe; o conjunto de características do mundo material, a própria matéria em si, ou seja, o universo físico.
É importante dizer que Spinoza teve influências diversas tanto filosóficas como científicas e Teologia do pentateuco judaico, cristão e cabalistico. Uma grande variedade de fontes, e apesar dele fazer uso de muitos textos bíblicos para apoiar seu pensamento, sempre reiterava que seu uso era interpretativo.
Outro trecho é:
“Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como alguns dos vossos poetas têm dito: Pois somos também sua geração.”
Este versículo pode ser associado à visão de Spinoza sobre Deus como a substância em que todas as coisas existem e têm seu ser. Tal frase dita pelo Apóstolo Paulo também é uma citação a um escritor grego mais antigo, que reflete a existência de algo maior que os próprios deuses, maior que o próprio conceito de divindade. Agora a coisa vai ficar ainda mais interessante. Você ficará surpreso ao saber que, ao dizer “Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos” Paulo estava citando um poema pagão grego com o título “Cretica”, escrito por volta de 600-700 AC por Epimênides em louvor do deus grego Zeus. A citação de Paulo foi tirada desta parte:
“Eles edificaram uma tumba para vós, tumba santa e alta,
Seus cretenses, sempre mentirosos, feras do mal, barrigas ociosas.
Mas tu [Zeus] não estás morto: Tu vives e permaneces para sempre,
Pois em ti vivemos e nos movemos e temos nosso ser.”
Voltando para Spinoza, pode parecer estranho Spinosa usar a expressão “substância” mas era a melhor forma de descrever a ideia. E isso podemos ver no Deus que se apresenta a Moisés, que é o que é, sendo impossível dizer exatamente o que é Deus, Ele apenas é:
“Disse Deus a Moisés: Eu Sou o que Sou. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou a vós.”
#Deus como a causa e substância únicas
Para Spinoza, Deus é a causa primeira de todas as coisas, e isso vem de encontro com princípios matemáticos de influência de René Descartes e o dualismo entre mente e corpo. Assim Spinoza descreve Deus como substância única para figurar melhor sua visão, este pode ser o primeiro ponto de discordância com a maioria das tradições cristãs, pois ele apresenta um Deus não antropomórfico, rejeitando o conceito de trindade.
E a substância de Deus para ele então seria composta por infinitos atributos dos quais apenas dois podemos compreender, Corpo e Mente, sendo estes atributos representando Existência e Potência respectivamente e quando vemos coisas finitas estamos observando pequenas partes desta substância na Existência. Existência como aquilo que simplesmente existe como é, como a capacidade de afetar e ser afetado; Potência como diria Aristóteles, aquilo em que é possível algum ser se transformar em virtude desse fim próprio, ou seja, como corpos estamos limitados em extensão e duração (espaço-tempo), mas para Spinoza os modos estão em Deus, seria como dizer que é algo infinito dentro de algo finito.
Essa substância de Deus, que age no meio material, é para ele perfeita e a causa primeira de todas as outras de forma perfeita.
“E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom. E foi a tarde e a manhã, o sexto dia.”
Isso reflete também uma questão de época. Spinoza viveu em um período no qual o determinismo universal parecia irrefutável. Talvez poucas pessoas saibam mas até o início do século XX quando a física quântica foi desenvolvida, a comunidade científica debruçava-se sobre a segura ideia que tudo no universo era predeterminado, sendo tudo, até mesmo nossas escolhas apenas reações de ações em cadeias que vinham acontecendo desde o princípio de tudo.
“Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.”
#Predeterminismo?
Mas sendo assim (como predeterminismo) se pudéssemos obter a informação contida na matéria do universo poderíamos calcular tudo o que aconteceria e acontece?
Bem… esse predeterminismo também existia no meio teológico com vários trechos das cartas de Paulo da Bíblia cristã fazendo referência a predestinação. Mas temos um contraponto para ver tais trechos como meramente interpretativos ao refletir que Paulo como com conhecedor da literatura, filosofia e cultura greco-romana, usou deste tipo de discurso para apresentar uma ideia complexa, usando o pensamento grego de predestinação, que foi tão amplamente usado na filosofia aristotélica, e que é aceita por muitos grupos cristãos ainda hoje.
Tomas de Aquino dizia que no predeterminismo havia a liberdade, ou livre-arbitrio em cooperação entre o mover humano e o mover de Deus. Na livre escolha humana, tanto Deus quanto o ser humano seriam os motores.
Contudo Spinoza que aceitava um universo determinista, discordava de Tomas de Aquino, e chegou a conclusão que tudo é determinado por Deus.
“O coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor determina os seus passos.”
Então onde estaria o livre arbítrio e o mal existente no mundo?
Estas perguntas também foram abordadas?
Sim, certamente, e, como dito antes, Spinoza conhecia a súmula teologia de são Tomás de Aquino, logo ele teria então a resposta para a pergunta: se Deus existe porque o mal existe?
#O mal e o pecado não existem para Spinoza
Para Spinoza se Deus é perfeito e tudo que existe e acontece faz parte dele e faz parte do próprio, então o mal é sim, para ele, uma parte de Deus e o pecado não existiria, ou não da forma como se pensa segundo as tradições ortodoxas da religião.
Mas atenção: Existe aqui outra diferença entre os pensamentos teológicos e o racionalista de Spinoza, onde a Razão é uma ferramenta para entender a natureza de Deus enquanto para a teologia a Razão é um complemento da fé, mas é também um ponto de concordância que a razão deve ser aplicada para entendermos tanto Deus quanto a própria fé. Neste ponto eu como autor deste artigo quero dar minha opinião na qual, sim a razão deve ser aplicada à fé, pois a fé não é para confiança em Deus, mas sim para se conhecer Deus, pois é impossível confiar em quem não se conhece.
“A sabedoria é a coisa principal; adquire, pois, a sabedoria, emprega todos os teus bens na aquisição de entendimento.”
Por tanto é preciso abrir mão de paradigmas religiosos para poder entender o pensamento apresentado pelo filósofo neste ponto, ele aponta a seguinte explicação:
- Deus é tudo que existe;
- Deus é bom e perfeito;
- Deus criou tudo;
- Logo tudo que existe é bom;
- Assim o mal não pode existir;
- no entanto:
- Deus sendo bom tem uma vontade perfeita e boa.
- ao seguirmos essa vontade nos completamos e nos sentimos satisfeitos
- mas ao rejeitamos a vontade nos deparamos infelizes.
- sendo infelizes, somos compelidos ao sofrimento.
- no entanto:
Ressalto, que esta é uma explicação grosseira para o mal e o pecado, segundo Spinoza. Os arquétipos de bem e mal podem até se encaixar mas a de pecado não, sendo substituído pela reação da rejeição da vontade de Deus, basicamente como aceitar a necessidade natural, onde Deus age. Não vamos tratar neste artigo sobre explicações melhores sobre mal e pecado, o intuito aqui é apenas indicar o que Spinoza pensava, mas vale lembrar que o pensamento desse filósofo não é de todo acertivo!
#Liberdade
A filosofia de Spinoza é caracterizada por um determinismo rigoroso. Ele via o mundo como sendo governado por leis naturais necessárias, e a liberdade, para ele, consistia em compreender e aceitar a necessidade das coisas. A liberdade verdadeira, em sua perspectiva, está no conhecimento da causalidade e na aceitação do destino.
Spinoza acreditava que a verdadeira felicidade e liberdade vêm do entendimento adequado de Deus e da Natureza. Ele propôs a ideia de “amor intelectual a Deus”, que envolve o conhecimento e a compreensão da ordem e necessidade do universo.
Quando observamos o pensamento de Spinoza a luz da fé, podemos encontrar várias divergências nas ideias do filósofo e a doutrina da maioria das religiões. Porém vemos que as ideias dele não são ateístas como alguns religiosos as tratam, podem ser até ser consideradas panteístas por se assemelhar em alguns ensinamentos gregos, mas não negam a existência de Deus.
Por fim uma última opinião sobre a ideia apresentada por Benedict Spinoza é que o universo por si só não é Deus, mas é sim uma manifestação de Deus, e que o conceito de dentro e fora da criação também podem estar limitados demais para entender a natureza de Deus.
Spinosa apresenta um Deus cuja a vontade é uma necessidade universal, neste ponto eu discordo, e o meu argumento para isso é o seguinte:
- Para Spinoza Deus manifesta sua vontade por uma necessidade inerente e imanente na criação. Para ele, Deus não cria com intenção o universo, Deus simplesmente Cria por ser esta sua natureza e necessidade natural, assim como por exemplo o fogo queima por fazer parte das características dele, não por que ele decide queimar ou seja, Deus cria porque é essa sua natureza: Criar.
- Mas pensando nessa situação toda temos o seguinte: De acordo com o próprio Spinoza Deus é toda substância existente, logo o homem também é uma manifestação de Deus, e se o homem apresenta vontade e consciência logo Deus também possui estas características, oque contradiz o ponto “A”. E por isso acredito que Spinoza não aprofundou muito o seu raciocínio quanto a natureza humana como manifestação de Deus.
O Deus de Spinoza é apenas um termo filosófico, ele não tratou de outro Deus, ele apenas tentou compreendê-lO. Para aceitar esse termo (como Einstein) ou refutá-lo, é necessária uma compreensão profunda da filosofia e teologia, mas uma coisa podemos afirmar, esse pensamento está longe de ser ateu!
Spinoza foi um homem questionador, como todo filosofo, ele chegou a conclusões próprias baseando-se nas respostas que encontrou em sua vida. O importante é que Spinoza não duvidava do Deus dos judeus (sua religião natal) ou do Deus dos cristãos, ele apenas questionava a visão humana sobre Deus. E ai é importante perguntar para você O que, ou Quem é Deus? “EU SOU O QUE SOU” foi o que o próprio Deus respondeu para Móises! E não é porque Ele não goste de ser questionado, ao contrário, o dono de todo o conhecimento do universo material e imaterial deve gostar de trasmitir o conhecimento, mas talves essa tenha sido a resposta mais plausivel para um ser humano com intelecto liminado à espaço-tempo. É complexo para um ser como nós, tão pequenos e irrelevantes, compreender e definir aquilo que está fora da nossa esfera. Como você definiria Deus?
E sobre a conclusão deste artigo, o que mais posso eu tratar além das próprias palavras de Spinoza:
- “Tenho evitado cuidadosamente rir-me dos atos humanos, ou desprezá-los; o que tenho feito é tratar de compreendê-los.”
- “As coisas nos parecem absurdas ou más porque delas só temos um conhecimento parcial e estamos na completa ignorância da ordem e da coerência da natureza como um todo.”