SANDÁLIAS, VESTES, UM ANEL E UM NOVILHO CEVADO – O filho pródigo parte 1

A mais famosa de todas as parábolas de Jesus: O Filho Pródigo, geralmente tratada como uma parábola de arrependimento. Sinceramente, nunca gostei de tratar assim essa parábola, e particularmente, vejo como uma parábola de Escolhas. Ela vai além da história do arrependimento do filho que volta pra casa, e a maioria dos pregadores que a usam não explicam os pontos mais importantes. 

Você já se perguntou o que mais diz essa parábola?

Ela está escrita em Lucas e é contada para fariseus e escribas, na porta de uma festa, igualzinho como a parábola termina. Vejamos:

#Lucas 15:11-13 HERANÇA:

O filho não poderia receber herança enquanto seu pai estivesse vivo, era, e ainda é em alguns locais do oriente, contra a cultura. Logo um filho pedir ao pai que lhe desse sua parte da herança soava, culturalmente, como desejar que o pai morresse. Esse trecho mostra uma falta gravíssima do filho já no início. 

O pai poderia repreendê-lo e até mesmo deserdá-lo. Sim, poderia – pense que para o povo judeu, oriental, principalmente daquela época, questões relacionadas a sua cultura, eram tratadas como questões de honra e princípios inabaláveis, e a honra era tratada tendo mais valor do que as mais altas fortunas. –  Noentanto, o pai na parábola, desde seu inicio já demonstra um amor profundo pelo filho, indo contra um valoroso princípio de honra, acata o pedido e entrega a parte da herança que caberia ao filho. 

Atente-se ao fato que somente depois de alguns dias o filho decide ir embora dali. Até então, o pai não sabia que iria perde-lo. Outro fator a se dar atenção aqui é uma figura oculta: O Filho Mais Velho. 

O homem tinha dois filhos, se o que recebe herança  é o mais novo,  existia, então, um mais velho. Outra vez segundo a cultura, o filho mais novo não poderia ser o primeiro a receber algo, pois as honras caberiam, sempre, primeiramente ao primogênito, e este tendo recebido, ai então os próximos filhos poderiam receber. Sendo assim, outro princípio quebrou-se com o pedido. O mais novo pede e recebe a herança, enquanto o primogênito não!

Voltando para o personagem principal, o filho pródigo, vai embora e perde tudo o que possuía, tudo o que recebeu, vivendo dissolutamente.  A própria expressão “Filho PRÓDIGO” retrata isso. “Pródigo” significa alguém que gasta muito mais do que possui ou necessita, no âmbito jurídico é uma pessoa que gasta seus bens de forma compulsiva e compromete seu patrimônio, podendo até ter ele interditado juridicamente.  Portanto o filho pródigo é um gastador e perde tudo.

 

#Lucas 15:14-16 – PORCOS

O texto não fala, mas provavelmente isso foi longe das terras da sua família. Pois no contexto do final da história nota-se que seu pai não recebia nenhuma notícia do seu filho a muito tempo. E também não fala a quantia recebida, mas subentende-se que era muito, que era o suficiente para ir embora e estabelecer-se em qualquer lugar do mundo conhecido.

O filho, que até então estava rico, perdeu tudo, ficando pobre, mas ao que parece ainda conseguindo sobreviver dignamente, porque o verso 14 deixa claro que a tragédia dos porcos veio depois que a região passou por um período de grande fome, uma grande crise acometeu a região. Pense nos tempos atuais, um período onde seu país teve inflação altíssima, e grande desemprego, pessoas sem condição para comprar um pão ou um leite para seus filhos. Um período em que muitas pessoas perderam o resto de dignidade que possuíam.  Assim, neste período de crise geral, o filho que já se tornara pobre, perdeu totalmente a condição de sustentar-se, entrando abaixo da linha da miséria. 

E ele se agregou a uma família. Agregar é um ato de reunir-se, juntar-se. O verbo agregar, indica que ele partilhou da cultura e pensamentos dessas pessoas. Alguém em quem o rapaz talvez confiasse. 

Mas essa família enviou o rapaz para os campos, para cuidar de porcos. 

Duas coisas se destacam: 

Os porcos eram animais impuros para os judeus, tratar porcos não era apenas desonroso, era algo muito, muito, muito humilhante, e não se tratava da lama e da sujeira dos porcos. A humilhação estava no fato de serem porcos, de serem animais excluídos pelos judeus. Sendo assim, um judeu tratando porcos, era considerado herege, comer a carne de porco era um ‘pecado’ para eles, ia contra as leis estabelecidas em Levitico 11:07-08,  portanto tratar porcos era cuidar do ‘pecado’, mais do que isso, pois era também cultural, sendo tratado,  portanto, como um excluído. 

A família dona dos porcos tinha condições, possuía campos, mas tratou o rapaz como um servo, o verso começa indicando que ele agregou-se à família, ele não  se tornou escravo, ele estava ali por amizade ou por conveniência, mas não como escravo. 

Era comum que pessoas que contraíssem dividas altíssimas pagassem seus cobradores com escravidão ou servidão, geralmente entregava-se um, ou mais, filhos para servirem como escravos por determinados períodos de tempo, e na falta de filhos, o próprio devedor tornaria-se escravo. É um assunto profundo e será tratado em outro artigo, o importante aqui é que o rapaz estava na miséria mas estava ali com aquela família agregado e não servo nem escravo, portanto era livre! Sendo livre poderia partir a qualquer momento. 

A família mandou ele tratar porcos, indicando que não era uma família judaica, judeus não teriam porcos. Os costumes da família eram outros, quando ele se agregou passou a partilhar dos costumes e perverteu sua essência judaica. Mas estamos falando do filho que já havia quebrado seus princípios no início da história, então já não era ‘lá grandes coisas’ perverter mais de sua essência nessa fase da vida. O problema nem é ter quebrado todos seus princípios e essência, nesse trecho, o problema é que ele, sendo livre, aceitou o pior serviço (que diga-se era ruim mesmo para alguém que não fosse judeu); sendo livre preferiu ficar no meio do culturalmente impuro, insólito e degradante, do que tentar ir embora pra qualquer outro lugar e tentar outra coisa. 

Você já se sentiu assim? Perdido, e se perdendo, dentro de você mesmo?

 

#Lucas 15:17-20a

Lá no meio dos porcos, em algum momento, ele pensou na sua antiga vida, na sua antiga casa. Provavelmente teve inúmeros momentos de reflexão, pensando na sua situação, remoendo-se por ter tido uma atitude errada no começo da história, querendo voltar no tempo e alterar aquele dia em que pediu a parte da herança. Quem nunca? Quem nunca teve um momento assim? Um momento em que desejou ter apagado da sua história o dia em que tomou uma decisão errada e por causa disso teve os maiores problemas da sua vida! Você já?

Provavelmente pensamentos ruins atormentavam o rapaz o tempo todo, assim como acontece com a gente, pensamentos de que não valemos nada, de que é melhor morrer, que falta vamos fazer, etc…

Mas, no meio desse turbilhão de pensamentos ruins, também vinham aqueles pinguinhos de esperança…. “Se eu voltar para meu pai, ele talvez me aceite como um de seus servos”. Voltando para a cultura, seria impossível ser aceito, o pai não poderia aceitá-lo novamente como filho, pois ele próprio quebrou o vínculo familiar, e uma vez quebrado jamais poderia ser restabelecido. 

Segundo a cultura, para o pai, seria como ter um filho morto, aquele rapaz não era mais seu familiar, seu parente, e dificilmente poderia ser um amigo. Nem mesmo servo, seria tão desonroso para aquele pai, perante a sociedade! Era melhor para o pai, que o filho continuasse longe, sendo considerado morto, do que voltar e ser visto na residência, mesmo se fosse como trabalhador. 

O pensamento de voltar e pedir para ser aceito como servo ou trabalhador era um rompante na mente do jovem. Algo que seria impossível. Era melhor nem tentar, ele poderia ser morto tentando entrar na propriedade, ele seria provavelmente expulso, e não teria mais nem os porcos… Para onde ele iria depois disso? Para nós, que lemos hoje a parábola, parece algo tão simples, é só voltar! Mas para o filho, esse pensamento era extremamente complexo, e praticamente impossível! 

O verso 20 começa com “E, levantando-se, foi para seu pai”. Decidiu ir, e foi. Novamente parece simples, parece algo lógico, mas não era! Foi uma atitude que rompeu uma barreira intransponível dentro dele! Ao contrário do que parece, não foi simples! Assim como na nossa vida não é simples! Voltar nunca é fácil!

 

#Lucas 15:20b-24 – O PAI QUEBRA NOVOS PARADIGMAS

Quando o filho estava perto da propriedade do pai, ele de longe o avistou e correu em direção à ele. Este é outro fato coringa. Parece novamente uma ação simples e normal para nós…. mas demonstra o amor do pai, muito além do que uma vontade de correr para matar a saudade.

Homens de idade jamais correriam, era socialmente desonroso! O ato de correr do pai demonstra novamente um amor mais profundo do que saudade, ele estava disposto a ser desonrado perante seus servos e transeuntes, não apenas para receber seu filho, mas para garantir que nenhum trabalhador ou servo, que conhecesse a história, fizesse algo contra seu filho – pois isso poderia acontecer segundo a cultura deles – tendo em vista o estado em que o rapaz deveria estar (sujo, esgadelhado, fedendo…). 

O pai o beijou e o abraçou. Há quem diga que o abraço significa misericórdia e afirmação, e realmente podem ter pesos como esses, mas o beijo, esse sim tem significado: Somente davam-se beijos em pessoas que eram consideradas iguais, do mesmo nível. Ao beijar o filho, o pai demonstra claramente aos presentes, que aquele rapaz todo machucado, fedido e sujo, era seu igual, e deveria ser respeitado, indiferente do seu estado.

O filho reconhecendo seus erros e começou a pedir que o pai o aceitasse como um trabalhador. Provavelmente já tinha imaginado milhares de formas  desse diálogo em sua mente. E provavelmente a maioria não deveria ter acabado bem!

Mas o pai nem respondeu o filho, rapidamente chamou um servo, que deveria estar pasmo assistindo a cena, e mandou trazer vestes, anel e sandálias para o rapaz. 

As vestes, naquela época, assim como hoje, indicavam a posição e o lugar da pessoa na sociedade. Provavelmente as vestes deveriam ter cores específicas e tamanhos apropriados, indicando que o rapaz era o filho do dono da propriedade. Isso é outra coisa que passa despercebida no texto, mas tem um peso importante. Vestir o rapaz com a veste apropriada significa que ele tinha honra e era digno de respeito por todos.

O anel, por sua vez, era como um selo da família. Um anel indicava autoridade. Você lembra da época, décadas atrás, ou já viu em um filme, que as pessoas que conseguiram terminar uma faculdade (porque era algo que poucos faziam) possuíam um anel de formatura, como um indicativo que esse era alguém com autoridade no assunto, e que deveria ser respeitado! O significado do anel nessa parábola é similar. Ele não deveria ser tratado como qualquer rapaz filho de algum rico… esse jovem tinha um anel com um selo, e todos respeitariam ele, pois ele tinha um anel de autoridade, e deveria sempre ser obedecido.

Foram dadas sandálias. Nas antigas leis judaicas, quando se fazia uma transferência de direitos de propriedades, era tirado os calçados do antigo proprietário e passado para o novo dono das terras diante de várias testemunhas. Por exemplo, a negociação por Rute, entre Boaz e o primeiro com direito sobre ela (viúva) e suas terras, foi feita através de um passar de sandálias, dando-lhe o direito de casar e ficar com as terras. Não falaremos os detalhes mas pode ser visto no livro de Rute, capítulo 3 e 4. Vemos assim que ao receber sandálias, o filho recebia também o direito a voltar a ser herdeiro. 

Esse versículo tão curtinho, indica que o pai restabeleceu ali, rapidamente, Honra; Autoridade; e Direito à herança, para seu filho.

No verso 23, ele comemora ordenando que tragam um assado de novilho cevado. O novilho cevado era um animal gordo, bem nutrido e que recebia por todo o tempo uma atenção especial. Era um animal caro para se manter e sua carne era usada em comemorações muito especiais. Isso mostra que não foi apenas uma festa pela volta do filho, mas uma festança enorme, e cara!

 

#Lucas 15:25-32 — O OUTRO FILHO

Não à toa, o filho mais velho, quando ficou sabendo, se indignou com tudo isso! Mas note que no verso 25, ele estava no campo, trabalhando em algo, e não fora chamado pra festança, ninguém foi até o campo chamar o irmão mais velho. O texto diz que ele aproximou-se viu a festa e perguntou para um dos servos o que era aquilo tudo. não Porque o pai chamou ele? 

Porque ele era a representação exata da cena em que estavam os fariseus e Jesus. O filho mais velho representava os fariseus, criticando do lado de fora o que viam. E o filho mais novo espelhava os publicanos no seu ato de arrependimento, estando ali dentro da festa.

Mas, voltando à parábola, o filho mais velho, na partida do irmão, passou a ser considerado o único filho. Como primogênito ele possuia mais direitos do que o irmão mais novo, e como primogênito era dele o direito e a responsabilidade de continuar os negócios do pai e cuidar de toda a família. Esse filho mais velho tinha muitas responsabilidades, estava no campo, o que mostra que ele estava já trabalhando com essas responsabilidades, e que já carregava o peso de ser cuidar da propriedade. 

Sua indignação era fundamentada, quando o pai restabelece o prodígo como seu filho e herdeiro novamente, as propriedades do pai passam a ser de direito dele novamente. A fatia do filho mais velho diminuiu. Por direito o primogênito recebia mais do que os demais irmãos, às vezes até toda a herança, e agora quando o pai entregou sandálias para o filho que retornou, para que ele pisasse a terra com sandálias nos pés, indicando que possuia direito sobre a terra, o primogênito teria que dividir novamente uma parte para ele no futuro, o que seria muito injusto com ele.

Observe no texto que a indignação do irmão não era por restabelecer direitos e autoridades a um gastador, pois seria fundamentada… a indignação dele era pela festa…. logo pela festa que dentre os simbolismos e custos da parábola, era a parte menos importante em valores monetários para os filhos.

O pai deu uma festança pelo retorno do gastador, enquanto ele que era responsável e trabalhava muito para cuidar de tudo… o pai nunca havia lhe dado um cabritinho (uma carne baratinha) para ele fazer um churrasquinho. 

Um sentimento profundo de amargor no coração do filho mais velho, ele não sentia-se injustiçado… ele sentia-se desvalorizado aos olhos do pai, achando que o pai não o amava tanto quanto ao seu irmão que era um boêmio. As vezes me pergunto se os fariseus tambem não se sentiam assim vendo Jesus lá com os publicanos, achando que por ser um rabino, um Mestre, deveria estar com eles, os fariseus, e não com a escória. Talvez seja por isso que Jesus tenha usado esse trecho da parábola.

Mas a resposta do pai, que novamente parece simples para nós, tinha um peso grandioso para os ouvintes: “Meu filho, você sempre está comigo, tudo que é meu é teu”…. O mais velho sempre teve direitos, e nunca soube. Ele poderia simplesmente escolher o que quisesse, e lhe seria dado, ele tinha autoridade de pegar até mesmo o novilho cevado… Ele tinha honra, autoridade e direito o tempo todo, e nunca usou, talvez porque não soubesse.. ou talvez porque achasse injusto desfrutar daquilo enquanto o pai vivesse, afinal, ainda pertenciam ao pai.

 

#FINAL

O texto termina sem dizer se o mais velho entrou pra comemorar ou continuou amargurado. Era uma parábola, e portanto cheia de metáforas e simbolismos. 

O final é assim porque está repetindo exatamente a cena que estava acontecendo ali, enquanto Jesus contou a parábola. E isso somente vemos quando retornamos ao contexto em que foi contada, Lucas 15:01-02, onde os fariseus estavam ao redor de uma casa vendo Jesus comer a mesa com publicanos. Escrevemos um artigo falando sobre isso, confira clicando aqui.

Os fariseus e os escribas (filho mais velho) estavam com Jesus (o pai da parábola), na porta de uma festança, onde Jesus estava comendo na mesa dos publicanos (filho mais jovem). 

Um judeu consideravel jamais comeria a mesa dos publicanos. Os publicanos, assim como o filho pródigo, eram judeus que ‘se desvirtuaram’ e passavam a cobrar os impostos por Roma. Na maioria das vezes pessoas corruptas, e quando não o fossem, eram cobradores de impostos e tinham que denunciar aqueles que não pagassem. Portanto, é visível que o filho pródigo da parábola representa aqueles que estavam na mesa com Jesus nessa cena: Publicanos e pecadores. 

O final estava na mão dos fariseus, assim como na mão do filho mais velho do texto, eles poderiam ficar ali considerando tudo isso como uma grande blasfêmia, ou poderiam entrar e participar da mesa junto com Jesus e os publicanos, provavelmente comemorando o arrependimento de um deles.

Como filhos de um Deus amoroso, existem sim as responsabilidades, mas também os direitos e a liberdade. Liberdade não deve ser confundida com libertinagem (que foi o que o filho mais novo ousou), e responsabilidades não devem ser confundidas com rituais e deveres infindáveis (como o filho mais velho teve). 

Essa é uma parábola de amor, de arrependimento e principalmente de escolhas.

VOCÊ É LIVRE, E PODE ESCOLHER!

 

Mais do que escolhas, arrependimentos, amor, a parábola fala sobre pessoas perdidas, e para entender isso é preciso entender o contexto em que foi contada. Escrevemos um artigo explicando sobre isso, confira clicando aqui.

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