PLATÃO E O TESOURO ATRÁS DA PORTA

Em 427 A.C. nasceu um garotinho chamado Aristócles. Devido ao seu porte atlético (e atletismo era moda naquele tempo) esse garoto recebeu o apelido de Platão.

Platão queria ser dramaturgo, o que também estava em alta no lugar onde morava.  Mas um belo dia assistiu um discurso realizado por um homem pouco convencional, que respondia as perguntas dos seus discípulos com outras perguntas. Nesse momento ele entendeu que nada naquela vida fazia sentido, e ali Platão desistiu da dramaturgia para seguir Sócrates.

Anos depois nosso bom Platão se tornaria o autor de inúmeras obras, a maioria delas se perdeu no tempo, mas as que chegaram até nosso século fazem jus o título de PENSADOR que este garotinho da era clássica recebeu.

Ele escreveu sobre política, música, conhecimento, a natureza da mente humana, amor, etc, etc etc. Seu propósito na vida era a busca racional da verdade, e foi nesse assunto que ele demonstrou maior influência.

Escolhemos um de seus textos e nos utilizamos de licença poética para trazermos um vislumbre sobre a busca da verdade. Porque muito mais agradável do que só acreditar, é o saber que é possível.

# CAVERNA

Era uma vez um grupo de pessoas que por toda vida esteve preso dentro de uma caverna. Ali nasciam, ali viviam, ali morriam.

A pouca luz que existia criava uma ilusão de sombras nas paredes, estas sombras eram temidas, os sábios diziam que eram as guardiãs do lugar, e que nada entrava ou saia dali sem elas autorizarem. Além das rochas marrons e da água escura que ali estavam, aquelas imagens eram as únicas coisas que viam.

Amanheceu, mas eles não percebiam a diferença entre dia e noite, pois tudo ali era sempre igual. Mas nesta manhã uma coisa foi diferente, uma única coisa. Uma vontade nasceu no coração de um dos homens, a vontade de saber o que existia além das sombras. Porque elas estavam ali? Porque elas nunca saiam dali? Porque não poderíamos passar delas? Esse homem tinha medo das sombras, mas sua curiosidade era grande, ele queria saber mais, conhecer mais.

Moveu-se. Foi em direção as sombras. O medo crescia, nunca chegou tão perto. Nunca ninguém se aproximou das sombras. Seu coração batia mais forte, seus pés não eram tão firmes quanto achou que fossem, ele precisou desacelerar seus passos para firmar suas pernas. Apesar de todo medo que sentiu, ele não desistiu, continuou, devagar mas continuou.

Passou pela parede das sombras, e admirou-se pois estava intacto, nada lhe acontecera. A ira das sombras não se aplacou contra ele.

Então seguiu a direção que nunca antes pudera, e andou, e andou, e andou.

Ele chegou até um ponto onde uma grande diferença existia entre o que ficou para trás e o que havia a sua frente. Neste ponto olhar para frente doía, seus olhos não eram acostumados com a luz.

Nosso amigo deve ter pensado em recuar nessa hora, pois afinal de contas olhar para trás era confortável, era amigável, era seguro, enquanto a sua frente o desconhecido trazia aquela sensação estranha, tudo era mais claro, o ar era mais leve do que seus pulmões estavam acostumados, seus ouvidos captavam aqueles sons estranhos, tudo era diferente ali.

Qual decisão tomar? Para onde seguir?

Voltar para a segurança? Para o conforto daquilo que já era conhecido? Ou seguir para o novo conhecimento? Buscar a verdade daquilo que se não se sabe? Ir em frente, além do que todo seu grupo já foi? Querer mais do que a caverna pode oferecer?

Aquela era uma decisão difícil, um instante cronometrado em segundos, mas estes segundos mudariam todo o futuro desse homem.

Agora ele sabia que as sombras não poderiam lhe machucar, agora ele entendia que sim, sim haveria mais do que ele imaginava.

          – Se fosse um de meus familiares, desistiria – pensou nosso protagonista – se fosse um dos sábios da nossa tribo, diria: Volte!

Ele pensou em tudo que seus amigos falariam dele, abandonando a caverna que sempre lhe deu água, alimento e abrigo. Que absurdo seria esse, que disparate sair da proteção das sombras e olhar pra tudo isso, aquele lugar a sua frente não deveria ser feito para humanos, afinal todos os humanos que conhecia viviam na caverna.

Mas naqueles segundos de indecisão ele pensou também no quão vazia era sua vida ali, ele não gostava da caverna, não gostava da água, ela assustava pois era escura e ali viviam animais perigosos, as sombras projetadas nas paredes traziam mais medo do que conforto, e o alimento era escasso demandava muito trabalho para caça-lo.

Naquele milésimo de segundo, sua mente acreditou que mesmo sendo difícil e doloroso dar os primeiros passos nesse lugar novo, o que descobriria ali valeria mais do que toda sua vida na escuridão da caverna.

E foi. Seguiu em frente.

A cada passo mais luz entrava em seus olhos, e mais som em seus ouvidos. E quanto mais luz e mais som seu corpo captava, mais sua mente se acostumava àquela situação nova, e então tudo ficava melhor, mais colorido, mais nítido.

Verde. Verde era uma cor nova, o que era o verde? Ele não entendia o verde, mas era lindo. A água ali era transparente, e fluía tão obstinada em uma direção.  – Para onde vai a água? – pensou.

Pássaros. O que são esses seres que voam? Como podem voar?

Por horas observou, ouviu, sentiu. Ele sentiu-se livre. Não entendia o que era ser livre, mas sentiu liberdade.

Por horas se esqueceu da caverna.

         – A caverna!! – Então lembrou – Preciso voltar à caverna e falar sobre essas coisas para todos lá. Todos devem saber sobre esse lugar, sobre o verde, sobre a transparência da água e sobre os animais que voam. Voltarei e direi que esse lugar existe, voltarei e explicarei a eles esse sentimento. Eles com certeza hão de querer vir comigo e deixar a caverna para trás.

Ele voltou para dizer aos seus sobre as maravilhas que viu. Trilhou o caminho para a caverna, e lembrou-se de quão difícil foi dar aqueles primeiros passos. Mas agora que conhecia o outro lado onde havia luz, jamais permitiria que o aprisionassem nas sombras da caverna novamente.

Seus pés entraram naquele que antes foi sei lar, o ar era pesado novamente, e agora que seus olhos conheciam a luz, era difícil enxergar tudo ali, levou um tempo para conseguir visualizar as sombras das paredes, ele então entendeu que as sombras era as grandes estruturas verdes que balançavam com o vento lá fora.

Impressionou-se com a descoberta, aquilo que sempre viu nas paredes eram apenas uma projeção do que é real. As sombras que as pessoas admiravam não passavam de um simulacro da realidade. Nada além disso. A verdade lhe fora revelada.

Ousadamente nosso amigo falou sobre o que viu, sobre o que esperava à todos lá fora. Falou sobre o verde, sobre os rios, sobre os pássaros, falou das sensações que sentiu, das emoções que teve, falou sobre as maravilhas que antes eram impossíveis, que antes eram sonhos, mas que sim eram reais, e estavam lá fora aguardando a todos eles.

        – Loucura! – disseram rindo – Jamais sairemos desse local, aqui é seguro, aqui nascemos, aqui vivemos. E as sombras das paredes não nos deixarão partir, estas sombras são guardiões, elas guardam nossa caverna, as sombras não permitirão que passemos por elas.

Ele explicou que as sombras eram apenas uma projeção das árvores, que as sombras por si nem vida possuíam, elas apenas se movimentavam como uma simulação da realidade, mas que as sombras não eram e nunca foram reais.

        – Herege – proferiu o sábio com raiva – Este homem é um herege. Ele desafia as sombras. Se não o afastarmos de nós, com certeza as sombras nos punirão.

Nenhum dos seus o aceitou, nenhum dos seus quis acreditar, nenhum dos aprisionados na caverna quis ao menos continuar ouvindo sobre a liberdade, sobre a luz, sobre o verde, sobre os rios e sobre os pássaros.

Para todas aquelas pessoas ali presas na caverna conhecer a liberdade era inaceitável. Mudar, explorar, conhecer, saber, eram coisas que jamais poderiam ser consideradas por eles.

Nosso amigo foi o único que saiu da caverna, foi o único a ir além das sombras das paredes.

Lá fora a liberdade, a luz, o verde, os rios e os pássaros, juntos com muitas outras coisas incríveis, aguardavam por todos aqueles homens e mulheres. Lá fora o mundo novo esperava por ser descoberto por todos os humanos daquela caverna, mas apenas um homem saiu. Somente um dentre todos eles superou o medo e o conformismo, e seguiu para o inacreditável mundo novo.

# EU QUIS SER ESSE HOMEM

Em O Mito da Caverna, Platão quis mostrar que tudo que vemos no mundo sensível onde habitamos, é uma cópia imperfeita da sua forma verdadeira. Uma simulação básica da realidade.

Ele acreditava que o mundo das ideias, do racionalismo, era o ideal, e que somente quem o alcançasse veria a verdade. Não abrir a mente, não pensar sobre as coisas nos faria escravos presos em uma caverna.

Quando um dos escravos foge da caverna e se deslumbra com a verdadeira forma das coisas, Platão faz uma metáfora aos ‘filósofos da vida’ que ascendem ao mundo inteligível do conhecimento.

Na jornada do Doctor Strange, nas histórias da Marvel, ele também teve de esquecer tudo que conhecia e abrir sua mente ao novo,  e  o novo era tão impressionante que o assustou, mas então ele ouviu:

“É um homem que olha o mundo por uma fechadura, e passou a vida tentando expandir essa fechadura, para ver mais, saber mais. E agora ao ouvir que ela pode ser alargada de jeitos que nunca imaginou, rejeita essa possibilidade. “

O outro lado dessa fechadura esconde um tesouro inimaginável. O que olhamos pelo buraco da fechadura é tão aquém do que realmente é o tesouro. E quando a porta se abre, e podemos enfim admirar a resplandecência do tesouro, quando podemos toca-lo, é tudo tão maravilhoso que nos dá medo. Medo de todo esse tesouro ser apenas um sonho que tivemos enquanto espiávamos pela fechadura. Mas esse medo que sentimos deve ser, e em verdade é,  menor do que nosso desejo de adentrar pela porta.

O que te espera atrás da porta a qual você observa pela fechadura?

Enquanto eu escrevia a minha própria versão do mito da caverna, lembrei-me de um texto escrito há milênios, que li recentemente:

“O reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido no campo, que um homem ao descobri-lo, esconde; então movido de gozo, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo.”

# ONDE EU QUERO ESTAR

O reino que você observa através da fechadura está a uma porta de você. E hoje essa porta se abre. Vá, sem medo das sombras, elas são apenas sombras. Compre o campo onde está o tesouro, e viva uma nova vida cheia de maravilhas, seja ousado e veja o impossível acontecer!

Como diria o Doutor Estranho: Eu não sei o que o meu futuro me reserva. Mas não posso voltar atrás.

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